A PESSOA
Em minhas lágrimas,
relativamente sujas,
estão as incertezas
de uma alma contraditória
e incompartilhável.
Trago no meu coração
o ópio das horas.
Indiferente a quase tudo
atormento-me
com a simples futilidade metafísica
dos que passam ao meu redor.
Imaginar que no dia seguinte
seguirei vivo
traz a insônia necessária
ao que quero compor.
Seria tão fácil se eu fosse os outros.
Dentro de mim, múltiplo,
a traição é sigilosa.
Do outro lado da minha janela
inúmeros donos de tabacaria
riem-se de mim
que não me sinto pessoa.
A ordem civil me transformou em nada.
Sintetizado em cumpridor de obrigações,
sem sensação nenhuma de vida,
desarmonizo-me
meio a uma harmonia falsa.
O universo se reconstruiria
em ideal de esperança
se o sorriso dos que passam
do outro lado da minha rua
não fosse
só um fato infeliz.
As tabacarias quase não existem mais,
mas os poetas são os mesmos
e se multiplicam em cruzes
que demarcam milenares aflições.
O pássaro que avisto no horizonte
é irreal.
Melhor não ver
o que a parede do imaginário
sanciona como fato.
Acreditar que a vida
arrasta o destino das coisas
é ceder ao medo do invisível
e ir às representações
que amenizam nossos crimes inafiançáveis
e perfeitos.
Paulo Franco
(do livro: "A Quarta Parede")