sábado, 9 de julho de 2011

A PESSOA por Paulo Franco











A PESSOA


Em minhas lágrimas,

relativamente sujas,

estão as incertezas

de uma alma contraditória

e incompartilhável.


Trago no meu coração

o ópio das horas.

Indiferente a quase tudo

atormento-me

com a simples futilidade metafísica

dos que passam ao meu redor.


Imaginar que no dia seguinte

seguirei vivo

traz a insônia necessária

ao que quero compor.


Seria tão fácil se eu fosse os outros.

Dentro de mim, múltiplo,

a traição é sigilosa.


Do outro lado da minha janela

inúmeros donos de tabacaria

riem-se de mim

que não me sinto pessoa.


A ordem civil me transformou em nada.

Sintetizado em cumpridor de obrigações,

sem sensação nenhuma de vida,

desarmonizo-me

meio a uma harmonia falsa.


O universo se reconstruiria

em ideal de esperança

se o sorriso dos que passam

do outro lado da minha rua

não fosse

só um fato infeliz.


As tabacarias quase não existem mais,

mas os poetas são os mesmos

e se multiplicam em cruzes

que demarcam milenares aflições.


O pássaro que avisto no horizonte

é irreal.

Melhor não ver

o que a parede do imaginário

sanciona como fato.


Acreditar que a vida

arrasta o destino das coisas

é ceder ao medo do invisível

e ir às representações

que amenizam nossos crimes inafiançáveis

e perfeitos.


Paulo Franco

(do livro: "A Quarta Parede")